segunda-feira, janeiro 19, 2009
















Ando me batendo com Clint. Começou com Menina de Ouro, amenizou-se com A Conquista da Honra, piorou com Cartas de Iwo Jima. Não era algo que eu conseguia articular. A Troca (Changeling, 2008) ajudou um pouco: estou cansado deste comprometimento que o seu cinema tem com o ‘tempo da pureza’, o ‘tempo da inocência’, o tempo em que a logo da Universal era diferente. É um movimento que ele já começou há tanto tempo (com Dívida de Sangue? Os Imperdoáveis?). E é um movimento de ‘reparação’. Que avança, mas que não deixa de ser um movimento de reparação. (Porque, por um lado, é uma reparação de uma representação do mundo.) E que não termina nunca. (Porque, por outro, não consegue se desligar de um momento anterior à necessidade de reparação.)

Não há preto no branco em A Troca. (Esses dois tons caros ao melodrama, ao cinema clássico e ao início da carreira de Clint.) O maniqueísmo dos dois primeiros atos é substituído pela incerteza – e pelo mundo maculado – do terceiro. Esse mundo em que não cabe a redenção é o lugar em que é preciso se aprender a viver (com sanidade, se possível). A estranheza da estrutura narrativa do longa, com esse terceiro ato que se prolonga e entorta o que parecia um arco narrativo clássico, é, portanto, o que dá sentido a ele – a vida segue após o fim dos filmes, diz Clint ao passado.

É um raciocínio que passa por Os Imperdoáveis (e a dor de ter de fazer justiça), segue por Sobre Meninos e Lobos (e o arrependimento por ter-se feito justiça equivocadamente) e deságua em ‘A Troca’, nesse sofrimento que é viver em um mundo sem certezas – pós-justiceiros e pós-guerras. (E, pensando assim, o filme começa em 1928 e termina em 2009 – e não na década de 30.) Daí o que me incomoda: essa necessidade (essa insistência e essa dificuldade) em admitir a mudança, rever a tradição, chorar o passado. Essa necessidade de começar tradicionalmente para depois subverter a forma. (Mas começar tradicionalmente sempre.)
















E aí penso em um filme como Um Conto de Natal (Un Conte de Noël, 2008), de Arnaud Desplechin, que não é melhor nem pior do que A Troca, mas que começa com os dois pés fincados no mundo como ele é. (Um mundo que foi também determinado pelo passado, mas para o qual esse passado já perdeu substância – e só pode ser concebido como um teatro de sombras.) O que me incomodava em Reis e Rainha, seu filme de ficção anterior, era o conflito entre uma força narrativa e outra não-narrativa que lhe servia de motor (como disse aqui). Vejo agora que isso provavelmente era o que o filme tinha de mais interessante – mas não é esse o ponto.

Em Um Conto de Natal, essa contradição não existe. Ela é uma questão dos personagens – não tem a ver com a relação do diretor com seu filme. Por outro lado, esse é um filme sobre laços forçados, sobre convenção – e talvez por isso a contradição precise vir de dentro, a partir de uma mise-en-scène levemente estilizada (permitida pela estrutura de peça de teatro da narrativa), que dramatiza de maneira simultânea a superfície e os processos interiores de seus personagens.

O que quero dizer com isso é que Desplechin vive neste mesmo mundo (feito de incertezas demais) para onde Clint decidiu se dirigir. Seus filmes terminam, mas este lugar onde vivem seus personagens segue hostil – e inapreensível. Os dois estão no mesmo lugar. A questão é que Desplechin não tem nenhum comprometimento com o passado. Ele olha para frente com olhos de míope – que é capaz de constatar, no máximo, que está vivo. Mas olha para frente. Clint vê mais longe e vê nitidamente, mas não consegue deixar de olhar para trás.

Viva, então, os ‘cineastas-pele’ (Denis, Martel, Apichatpong, Van Sant), estes que já deixaram de confiar no olhar.