sábado, agosto 30, 2008
















C'est Claire


Pensava em escrever sobre o filme de Guillermo Arriaga, mas Claire Denis atravessou o meu caminho – e como alguém pode lembrar de Arriga quando Claire aparece? Depois de O Intruso, não esperava dela nada que não fosse genial. Seu filme anterior é uma obra radical e complexa, quase sem nenhuma linha narrativa, que tem como centro um homem que mora no meio da floresta, ao redor do qual orbitam alguns personagens. Simplificando muito, é um longa que parece ter perdido a fé na possibilidade de entender o mundo de forma racional e passado a contentar-se com eventuais momentos de esclarecimento – a partir de uma apreensão sensorial da realidade.

Fiquei surpreso, portanto, ao perceber de 35 Rhums tem personagens bem definidos e uma narrativa compreensível e mais tradicional (até onde Claire consegue ser tradicional). O filme tem como protagonistas um pai e uma filha que moram juntos – e que estão passando por um momento de transição, que eu prefiro você descubra quando for vê-lo. Há quatro ou cinco personagens que fazem parte de suas vidas e participam da história, mas não mais do que isto.

Ainda que se trate de uma narrativa mínima, não pude deixar de perguntar a ela, na coletiva (quase vazia) de hoje, se essa transição de um filme-labirinto a um filme linear era consciente – e ela admitiu que sim. Mas garantiu que não entendia o filme como "um descanso". Disse que O Intruso foi uma aventura muito específica em que ela decidiu embarcar com o produtor Humbert Balsan, inspirada pelo livro de Jean-Luc Nancy. Foi uma tentativa de experimentar certa idéia – "go through with something", nas palavras dela (me senti mais confortável perguntando em inglês e ela fez a delicadeza de responder da mesma forma). 35 Rhums seria uma volta necessária "à introspecção".

É, portanto, um filme menos ambicioso, mas o que faz de Claire uma diretora especial permanece presente. Como em O Intruso, Trouble Every Day ou Beau Travail, a beleza do longa é uma conseqüência de acúmulos e alternâncias. Acúmulos de momentos aparentemente insignificantes, marcados por alternâncias de tom – ou simplesmente de espaço ou de tempo –, que repentinamente dão lugar a momentos de revelação, em que tudo passa a fazer sentido.

Eu mesmo não estava muito impressionado com o filme até quase a metade, quando há uma cena em que pai, filha e mais dois personagens se abrigam da chuva em um bar. Eles começam a dançar e, bem, não vou contar o que acontece (na verdade não acontece quase nada), mas a faísca de Claire de repente aparece – e nada mais continua como era. É da insistência de seu olhar distanciado – mas também intuitivo – que surge o esclarecimento. Como uma Lucrecia Martel que já viu muita coisa, que já fez o seu O Intruso, que já desistiu de tentar entender demais e que pode deixar-se afetar pelo ânimo de seus persongens.

Achei a trilha, que é outra vez dos Tindersticks, um pouco mais insistente desta vez e perguntei a ela também sobre isso. Claire disse que não tinha imaginado muita música e que gostava da idéia de usar apenas o som dos trens (que o protagonista pilota) em várias cenas. Mas Stuart Staples foi, aos poucos, sugerindo temas que "se instalaram" no filme e que ela não pôde mais deixar de usar. São belos temas, é verdade, mas confesso que também gostaria de saber como estas cenas teriam ficado da maneira que ela as tinha imaginado antes.