sexta-feira, abril 18, 2008
















Passei o dia pensando em Falsa Loura. Cada vez mais acho que o filme – que me interessa, é óbvio – faz uma espécie de elogio à mediocridade. O que a mise-en-scène de Reichenbach me diz, no fim das contas, é que o cinema que lhe interessa é uma ‘falsa loura’, uma ilusão precária. A loura clássica do cinema, a femme fatale, é o símbolo da mais elaborada das ilusões, a representação máxima do poder de sedução da imagem. (E falo nisso pensando em Phyllis Dietrichson e ninguém mais.) A ‘falsa loura’ é, portanto, uma ilusão frágil. E disso Reichenbach sabe – o seu filme é sobre ilusões frágeis. A questão é que a sua mise-en-scène mimetiza o tema do filme (conscientemente, eu assumo). O poder de sedução de suas imagens é capenga como o de uma falsa loura.

Não é fácil ser um ilusionista em 2008, é fato. Há quem tente – e Paul Verhoeven e John Wright têm feito isso com convicção – e há quem prefira outros caminhos, que tem mais a ver com esclarecimento do que com ilusão. E há também quem não faça nem uma coisa nem outra. E aí penso de novo no Brian de Palma, que citei, sem grandes pretensões, no início do texto que publiquei no Guia desta semana. De Palma não está nem aí pra verdade nem pra ilusão. (A morena de Dália Negra é tão dissimulada quanto a loira.) O que lhe interessa é o prazer do processo de construção das imagens. O prazer da ilusão consentida – que exige a participação do público. (Levar uma femme fatale a sério é uma decisão conjunta.)

Reichenbach não faz nenhum dos três caminhos. Se interessa pela ilusão, mas ri dela ao mesmo tempo. E não está disposto a transcendê-la. O que lhe dá prazer é a sedução barata. Esse filme é a celebração do naturalismo tosco. Não sei aonde ele quer chegar com isso.

(A menos que se trate de um projeto de educação do olhar. Que vise revelar a certo público proletário a fragilidade de suas ilusões. E que para isso precise desconstruir sua crença na imagem cinematográfica também. Aí essa história de que o filme é um 'musical proletário' faria algum sentido. E Reichenbach estaria disposto, de fato, a ir de encontro ao esclarecimento. Mas se esse for o caso, o filme precisa encontrar o seu lugar no mundo. Restringi-lo ao circuito de cinemas da Avenida Paulista é como planejar uma revolução e apresentá-la na aula de mestrado.)

Segue o texto do Guia (um tanto capenga também).


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Falsa Loura seria um ótimo título para um pastiche brasileiro de algum filme de Alfred Hitchcock – destes que Brian de Palma costuma fazer tão bem. Não é este, porém, o longa que Carlos Reichenbach fez. Sua protagonista é uma jovem operária que mora na periferia de São Paulo e que nada tem a ver com as louras de moral duvidosa do mestre inglês. Silmara é bonita, um tanto desbocada e não se deixa abater facilmente por problemas. Mas não leva uma vida fácil: trabalha muito e tem de se ocupar do pai, que já foi preso e não acha mais emprego. Seu jeito prático não a impede, porém, de sonhar com dias melhores – e entre as suas amigas isto significa fantasiar como os astros musicais populares vividos por Cauã Reymond e Maurício Mattar. Ela acaba se envolvendo com os dois, mas as coisas não serão como esta aspirante a Cinderela imagina.

O filme tem momentos divertidíssimos e um belo final, mas embarcar em seu universo exige disposição. Não é fácil, por exemplo, acreditar que Rosanne Mulholland (na foto, à esq.) seja uma operária. Reichenbach costuma estruturar seus filmes sobre referências antigas, o que pode soar teatral (e pouco convincente) a espectadores habituados a linguagens mais contemporâneas. Há quem ache que isto é parte do traço autoral do diretor: no caso de ‘Falsa Loura’, as ilusões precárias de Silmara até combinam com uma encenação frágil. Mas se você concluir que este é só um jeito elegante de dizer que o filme é irregular demais, pode estar certo.

3 Comments:

Blogger Guga Pitanga said...

Era um filme que não estava muito animado para ver, e pelo que comentas, realmente não merece alguns minutos perdidos...

Pitango

http://lenfantdeboheme.blogspot.com/

8:47 AM  
Blogger Giovani said...

volta, rafa!!!

9:09 AM  
Anonymous Anônimo said...

Tirei um tempo para ler seus posts. Muito, muito bons. Abraço.

7:06 PM  

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