quinta-feira, agosto 28, 2008
















O longa do iraniano e o curta do português

Abbas Kiarostami voltou para nos deixar do mesmo jeito que nos deixou quando fez Five (2003), seu último longa de verdade: confusos ou entediados (varia de caso a caso, você sabe). Os 92 minutos de Shirin são construídos unicamente por closes de mulheres que parecem assistir a um filme, em uma sala de cinema. Ouvimos o som do filme, mas só podemos ver as reações que ele provoca nos rostos destas mulheres.

Já sabia, antes de assiti-lo, que todas elas eram atrizes e esta informação (ou a falta de outras) me fez vê-lo de uma certa maneira. Comecei a me perguntar – como de praxe, quando se trata de Kiarostami – como ele teria sido filmado. Não sabia se todas aquelas mulheres estavam, de fato, em uma mesma sessão ou se tinham sido filmadas ao mesmo tempo. (Como seus rostos poderiam estar tão iluminados? Quantas câmeras teriam sido necessárias?) De qualquer maneira, assumi que elas estivessem mesmo assistindo a um filme.

O fato de todas serem atrizes, porém, me fez desconfiar o tempo todo de sua expressividade (ou da falta dela). E a partir daí li o filme como uma espécie de Jogo de Cena minimalista – que em vez de afirmar que a verdade está no discurso (seja legítimo ou inventado), como diz o filme de Eduardo Coutinho, estivesse dizendo que só não podemos duvidar da presença destes rostos. Entendi o longa, portanto, como um manifesto (de uma nota só) a favor de um cinema materialista, que olha para a superfície para tentar ver mais. (No fim da projeção, muito aplaudida pelo público, Manoel de Oliveira foi cumprimentar Kiarostami, que estava na sala, e fiquei pensando que o nome do curta do português, Do Visível ao Invisível, cairia bem ao longa do iraniano.)

Mas isso tudo só fazia sentido até eu saber que as mulheres não estavam vendo filme nenhum. Kiarostami convidou dezenas de atrizes (Juliette Binoche é uma delas) para fingir, por alguns minutos, que estavam reagindo a uma história qualquer que elas criassem em suas cabeças. Montou tudo e colocou o áudio de um filme para acompanhar. O dado não faz parte da obra, é verdade, mas como ignora-lo depois de sabê-lo?

Passei a pensar então em Bresson e naquela idéia de é preciso ‘retocar o real com o real’ para revelar, de fato, o real (Do Visível ao Invisível, outra vez, de qualquer maneira). E, bem, Kiarostami sempre foi isso, não? Ele só tornou seu método ainda mais econômico. Mas pode ser também que o filme não revele coisa nenhuma, é verdade. Tenho a impressão de que a complexidade de seus filmes anteriores aumentava com a experiência de assisti-los, enquanto que este me parece muito mais com uma enunciação de uma tese que diz o mesmo do começo ao fim. A pensar.