quinta-feira, agosto 28, 2008
















Sexo e Paranóia

Minha primeira imagem no Festival de Veneza é um plano geral da Avenida Paulista. Chego esbaforido à segunda sessão para a imprensa de Burn After Reading, dos irmãos Coen, no primeiro dia da mostra, meio sem lembrar que Do Invisível ao Visível – o curta que Manoel de Oliveira fez com Leon Cakoff em São Paulo – abriria a exibição, e dou de cara com a cidade de onde acabei de fugir.

O título é uma boa tradução do cinema do diretor português, mas (que me perdoem os fãs) não serve para este filme. O curta narra um encontro entre Cakoff e Ricardo Trepa, neto de Oliveira, na avenida paulistana. Os dois tentam conversar, mas seus celulares não param de tocar – e eles só conseguem se comunicar quando ligam um para o outro. E ficam assim, falando ao telefone, frente a frente, sobre o estado caótico do mundo.

Os jornalistas aplaudiram e riram muito no momento em que os personagens finalmente passam a conversar, mas eu me pergunto o que acharam do resto do diálogo – que eu achei literal demais. Os diálogos de Oliveira às vezes são assim, é verdade, mas acho que faltou, neste caso, imagens que pudessem se relacionar com eles de forma a trazer à tona significados que não estão tão assim na superfície, como quer o título.

Os Coen, por sua vez, seguem na toada de Onde os Fracos Não Têm Vez. Burn After Reading é uma comédia (engraçadíssima), é verdade, mas o seu tema mais profundo – como o passado de seu país se manifesta na maneira como a sociedade americana se organiza hoje – e seu método de investigá-lo (sobrepondo passado e presente e subvertendo gêneros) é um pouco o mesmo do longa anterior da dupla. O filme tem, de um lado, um agente da CIA (John Malkovich) que está sendo demitido e sua mulher (Tilda Swinton), que está tendo um caso com um policial federal (George Clooney). Do outro, uma dupla de professores de ginástica (Brad Pitt e Frances McDormand) que acha um CD com informações comprometedoras sobre o agente e passa a chantageá-lo.

Enquanto a trama evolui como uma comédia de erros, os Coen vão sobrepondo a histeria de seus personagens (relacionada ao sexo, à aparência física) à paranóia do universo da espionagem – ou tratando uma questão de alcova como se fosse um thriller político. Não é difícil adivinhar do que estão falando, mas as conseqüências que isto tudo tem você experimenta quando o filme chegar ao Brasil. Todos os atores estão (propositalmente) muito acima do tom. Funciona bem para Malkovich e Frances, o que não é novidade, mas também cai bem a Pitt, acredite. O único que faz papel de bobo mesmo é Clooney.