segunda-feira, junho 23, 2008

















Eu (não) vejo shyamalans

Torço para que Fim dos Tempos (The Happening, 2008) seja um fracasso. O filme não me impressionou, é verdade – mas não é essa a questão. Torço por ele mesmo assim. E torcer por ele, nesse caso, significa torcer pelo seu fracasso. (Esse que é medido pela venda de ingressos, pelo menos.) Eu dizia a um amigo que gostou do filme que até ver A Dama na Água eu achava que Shyamalan fosse um cínico – o que me incomodava. Depois de assisti-lo passei a achá-lo um crente (já escrevi sobre isso aqui). Mas ‘Fim dos Tempos’ me deu a impressão de ser o trabalho de um débil mental. Meu amigo me disse que achava que ele era tudo isso ao mesmo tempo e ele tem toda a razão. Se suas imagens têm algo de interessante é porque são construídas sobre esta contradição.

Como A Dama na Água, seu novo filme tem uma ingenuidade que não é dissimulada: Shyamalan acredita no poder da ficção e tenta outra vez nos fazer aderir à sua crença. Não há elfos, desta vez, mas há uma ‘epidemia’ que leva ao suicídio. A questão é que, um pouco como se o filme tivesse consciência de sua própria inocência, ele se boicota a partir de dentro. O mesmo olhar que pede a nossa adesão também ri de suas intenções. Há algo de jocoso na ‘teoria das plantas’, no rosto do personagem que mantém uma estufa, na apropriação que Shyamalan faz de um filme de gênero. Nada disso, porém, chega a se configurar em uma paródia. Suas imagens estão sempre no meio do caminho, oscilando entre a crença e o cinismo; o romantismo e a ironia; o conservadorismo e a modernidade.

Digo modernidade porque a partir do momento em que essas contradições se consolidam, o filme passa a exprimir uma questão bastante moderna: o confronto entre o desejo de acreditar e a impossibilidade de acreditar. (Seja na imagem cinematográfica, na ficção, na narrativa). Aos poucos, portanto, a moral de sua fábula superficial – essa que sugere que vamos morrer porque estamos ficando insensíveis ou porque fazemos mal às plantas – vai sendo sobreposta pela representação de um mal-estar.

Daí que suas imagens precisem incorporar algo de artificial, de inconvincente. Como os objetos da casa onde os personagens buscam abrigo, elas têm que parecer de plástico. E daí também que elas precisem prever o seu próprio fracasso. Seu primeiro movimento – o de ser um filme de ficção bem-sucedido – precisa fracassar para que o filme alcance sua questão mais profunda, expresso por esta dor da perda da inocência.

A questão é que tudo isso já estava bem explícito em A Dama na Água. E isso talvez explique por que o filme me interessou tão pouco. Alguém disse, com razão, que as imagens da fábula da garota da piscina eram melancólicas. Tenho a impressão de que esta melancolia se transformou, em Fim dos Tempos, em resignação. Sua ficção já começa com os dois pés cravados no chão. Não há nada mais a ser constatado, o mal-estar está assimilado. O que o filme grita é: ‘eu não preciso existir’. O que não deixa de ser interessante – de um ponto de vista muito, muito intelectual.

(Isso tudo na melhor das hipóteses, é claro. A pior é que a ficção de Shyamalan simplesmente não dê conta de suas próprias ambições.)