sexta-feira, agosto 29, 2008

















Quem tem medo de uma femme fatale?

Queria ter ido à coletiva de Inju, La Bête Dans L’Ombre, de Barbet Schroeder, só para saber como se defende um filme como esse – a primeira bomba da competição de Veneza. Achava que ele poderia ser interessante, afinal Schroeder acabou de fazer O Advogado do Terror, um documentário incrível sobre o francês Jacques Vergès, advogado que defendeu terroristas e criminosos de guerra. Ilusão minha. Inju foi recebido com vaias (justas) em sua segunda sessão para a imprensa – e só quero ver o que o público da sessão oficial, que acontece hoje à noite, vai achar dele.

O curioso é que a primeira seqüência do filme é maravilhosa. Começa como um pastiche virtuoso de filmes noir tardios (destes que já eram também pastiches), só que ambientado no Japão – um pouco como se Brian de Palma fosse influenciado por filmes policiais dos anos 60 e histórias de samurais. Mas a cena logo se revela ser, afinal, uma cena de um filme que o escritor Alex Fayard (Benoît Magimel), protagonista da história, está projetando a seus alunos. Ele é obcecado pela obra de Shundei Oe, um escritor japonês que leva uma vida tão misteriosa quanto as tramas de seus livros. Fayard vai ao Japão lançar sua nova obra – que se inspira explicitamente nas histórias Oe –, e acaba se envolvendo em uma confusão que inclui crimes, gueixas e gatos mortos.

Aos poucos, portanto, o que começou como um pastiche de filme noir vai se tornando um noir literal. A femme fatale do longa é uma gueixa e, em algum momento, um personagem diz que a função da gueixa é levar o seu cliente a mergulhar em um mundo de ficção – o que resume também o projeto do filme. Acho corajosa esta crença no poder ilusório do cinema, mas Schroeder desenvolve sua história como se ainda estivéssemos nos anos 40 e pudéssemos acreditar em qualquer femme fatale. E ainda a encerra com uma seqüência didática – e constrangedora –, que nos explica as regras de um jogo que conhecemos há mais de 60 anos. Difícil entender como uma história que começou tão cheia de ironia se desenvolve de um jeito tão ingênuo.

(Ah, sim, o filme tem também o momento mais erótico - ou ridículo - do festival até agora: a cena em que Lika Minamoto, que faz a gueixa, chupa os dois dedões do pé de Magimel, como se não fossem dedos do pé.)