segunda-feira, setembro 01, 2008















Aquele Bressane

A Erva do Rato é um filme muito mais acessível do que Cleópatra ou Filme de Amor, os trabalhos anteriores de Julio Bressane: tem uma linha narrativa clara, um universo ficcional forte, uma encenação quase naturalista e pouca digressão poética – ainda que consiga extrair efeitos poéticos dentro dos limites dessa narrativa.

A história, inspirada em dois contos de Machado de Assis, é mínima: Selton Mello e Alessandra Negrini encontram-se em um cemitério e passam a morar juntos. Ele estuda ciências de todos os tipos e começa a praticar fotografia, usando a mulher como modelo. Aos poucos, passa a fotografá-la nua. Mas as fotos começam a ser danificadas por um rato. E o animal passa também a saciar, da maneira que pode, os desejos da mulher que foram despertados pelas fotos – e que o marido não parece interessado em satisfazer. O homem fica obcecado por matar o rato, enquanto segue propondo fotos cada vez mais eróticas à mulher.

Não siga em frente se não quiser saber mais do que deve, mas já está claro que a questão toda tem a ver com imagem e desejo. O olhar do personagem de Selton desperta o desejo da mulher, mas seu próprio desejo se esgota no ato de fotografar. E este desejo acaba por matar o objeto desejado – o que é encenado de maneira genial –, ao transformá-lo em imagem. Em certo momento, um close de uma piscadela de Negrini é associada ao som do obturador da câmera fotográfica. Como se já não bastasse essa dica, Bressane encena, durante os créditos, uma seqüência em que aparece orientando os atores – como o personagem de Selton fazia com o de Negrini. (E que ele explica que se assemelha à "conversa com o leitor" presente em alguns trabalhos de Assis.)

Você fazer todo tipo de associação a partir daí: que Bressane está dizendo que o cinema mata o que escolhe como objeto; que cineastas e cinéfilos são obcecados por controle; que filmar – e ver filmes – é um prazer mórbido; e que este veneno que se chama 'erva do rato' é a cinefilia. Pode ser. (Suas imagens lindíssimas são de despertar desejo, sem dúvida.) Mas talvez Bressane esteja justamente falando deste cinema que tenta ser um espelho da realidade – e explicando por que não é este o cinema que lhe interessa. Tive impressão de que era um filme naturalista que explicava por que ele não gostava de filmes naturalistas. Mas também pode não ser isso. "Toda arte é uma patalogia. Ela é que engendra o estilo. Tudo é uma tara", disse ele, na coletiva. O filme é delicioso, de qualquer maneira.

Descoberto no meio da platéia da sessão para a imprensa, o diretor foi muito aplaudido pelos (poucos) jornalistas que estavam ali. Tirou um lenço do bolso e fez que enxugava lágrimas, como quem diz "obrigado, mas já chega, já chega".