
Procura-se Jimenez desesperadamente
Dá pra entender por que só Cannes teve coragem de premiar Três Enterros (The Three Burials of Melquiades Estrada, 2005). Acenar a favor de um filme que tem convicções políticas de um radicalismo quase religioso não se faz mesmo sem um certo comprometimento. Mas se Malle estava certo e todo filme é político, então, até aí, nenhuma novidade. A questão é que o filme de Tommy Lee Jones, além (e apesar) de radical, também tem algo de ambíguo, o que torna o dilema mais complicado: acenar a seu favor significa comprometer-se com o quê, no fim das contas?
Em princípio, não parece difícil: Tommy Lee tem convicção de que a sociedade americana é culpada (do quê, não vem ao caso agora), de que ela deve passar por uma “jornada” purificadora e de que, ao final desse percurso, encontrará a redenção.
É uma convicção que tem algo de radical e algo de ingênuo, o que fica claro se compararmos o filme a Marcas da Violência (A History of Violence, 2005), outro que coloca em jogo a possibilidade de redenção da sociedade americana. (Culpada, também para Cronenberg.) Em Três Enterros, a natureza da jornada é infinitamente mais cruel e violenta, para o personagem de Barry Pepper, do que é para o de Viggo Mortensen no filme do diretor canadense. Para Tommy Lee, a purificação custa muito mais caro – e não se faz sem uma boa dose de sofrimento e humilhação.
Apesar de o preço ser alto, porém, a redenção é possível. “Jimenez”, o destino da jornada, é difícil de achar, mas existe – é questão de saber enxergar. É uma convicção que Cronenberg não se permitiu ter: Mortensen expurga o passado, banha-se num rio e volta (purificado?) para casa. O olhar hesitante de sua mulher em aceitá-lo de volta, porém, dá conta de toda a ambigüidade da situação. Não há ambigüidade em Pepper: libertado, ele não sabe para onde ir – Tommy Lee acredita que a jornada resulta de fato em um aprendizado.
Mas até aí, repito, tudo bem. Descontada a bobagem que é a história dos "três enterros", Tommy Lee não conduz a narrativa com mãos de diretor iniciante. Pela primeira vez em um roteiro de Guillermo Arriaga a montagem que embaralha os tempos da narrativa se justifica plenamente: é preciso insistir no passado para entender o presente, já nos ensinou Welles. Uma vez que a verdade veio à tona, o filme segue sua trajetória linear. E cresce à medida que o cenário que emoldura a jornada torna-se mais e mais árido e o registro vai deixando de ser naturalista e se tornando cada vez mais simbólico. Uma mudança de tom inesperada, que reforça o caráter quase religioso da jornada.
O que torna o filme ambíguo – e embaralha seu discurso político – é o personagem de Tommy Lee. Por um lado, é ele o personagem que aplica a punição ao de Pepper e o força à jornada de redenção. Entendido assim, sua moral – ou sua prepotência – não é muito diferente da do herói clássico dos westerns: é ele o homem que pode fazer justiça arbitrariamente porque sabe o que é certo e o que é errado. Com o agravante de que o faz aqui com um certo sadismo. (Bastante diferente é o caso de Cronenberg, em que o personagem não é submetido à jornada por um outro, mas tem que fazer o caminho sozinho sob o risco de perder sua identidade.) Considerando que o filme parece querer expurgar justamente essa prepotência que identifica como problema inicial da sociedade americana, temos aí um problema.
Por outro lado, o personagem de Tommy Lee é também americano. E se entendermos o percurso de uma maneira mais simbólica – como o diretor parece querer que a gente entenda – e considerarmos que a jornada também é desse personagem, então se trata mais de um mea culpa do que outra coisa. Nesse caso, o filme se aproxima mais de Meu Ódio Será Sua Herança, de Peckinpah, na relação do diretor com seus personagens e na necessidade de “fazê-los sangrar”, literalmente. E aí o Tommy Lee-personagem vira quase que uma figuração do Tommy Lee-diretor – o que é um procedimento bem interessante. Se o personagem fosse mexicano, seria mais difícil defender o filme. (Ou seria difícil entendê-lo como algo diferente de uma declaração de guerra.) Como não é, ficamos com a ambigüidade.

2 Comments:
Diabos, não vi ainda.
Nikola
Olha, levando em conta o final do filme, da metade pro final pelo menos, a purificacao esta bem longe de acontecer. Em termos de Tommy Lee como diretor americano cosmopolita pelo menos. Sindrome de Vincent Gallo. Eles comecam tudo tao bem, mas tao bem. E no final me vem toda a descambada narrativa da pior maneira possivel, e é tudo problema de direcao, o pior é isso. Porque pela primeira vez o roteiro "ameacas do passado" do tal guilhermo funciona, ou tem um sentido pelo menos.
arthur
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