segunda-feira, fevereiro 06, 2006

















Os últimos dias de Van Sant (como o conhecemos)

Gus Van Sant ainda vai virar a Lucrecia Martel. É um exagero, é óbvio, mas pensei nisso ao assistir Last Days (2005) nessa semana (em DVD, infelizmente). Associo os dois já há um tempo. Lembro de ter visto Elefante e O Pântano quase na mesma semana, entre 2003 e 2004, e achei que os filmes se complementavam.

Pra mim Elefante era um filme-tese, que colocava em jogo a eficácia do olhar, no mesmo momento em que negava a possibilidade de compreender a realidade a partir dele. Assim, parecia descartar a possibilidade de existência de qualquer ontologia da imagem e também de um cinema narrativo. Usava o plano-seqüência, portanto, para desmistificá-lo. Mas não deixava de ser também um filme contraditório, com essa tese sobre a impossibilidade de teses, como os teóricos que pregam o fim da teoria.

Achei que o filme de Martel era a tese de Van Sant comprovada na prática. Tudo que em Elefante era figuração, em O Pântano era expressão. A fragmentação e a desorientação eram elas mesmas a estrutura do filme. E ao estar ligado de forma tão orgânica a essa dificuldade de entender a (sua) realidade, o filme fazia dela o seu tema e de certa forma a transcendia.

Em Last Days, Van Sant leva a estrutura de Elefante um passo a frente. A tese continua a mesma, acredito. Novamente ele precisa inspirar-se em um “grande tema indecifrável” para erguer seu castelinho estético que testa as possibilidades da imagem. E outra vez o filme se estrutura sobre uma relação bastante peculiar entre montagem e plano.

Em Elefante essa relação é central: a combinação entre os planos-seqüência longuíssimos e a montagem que manipula o tempo da narrativa e alterna os pontos de vista é o que faz dele o filme que é. Em Last Days, a manipulação do tempo e dos pontos de vista continua ali a nos lembrar que não estamos vendo um filme de Kiarostami. Mas a relação da câmera com a ação que se passa dentro dos limites dos planos já é outro.

No lugar dos coreografados planos-seqüência, temos planos estáticos em que a manipulação parece menor (ou menos evidente). A impressão é de que Van Sant tirou a mão do ombro dos atores. (Talvez tenha apenas escolhido-os melhor. Atores e personagens são quase a mesma coisa aqui). Assim, a câmera não está mais colada a eles, a comandá-los, mas distante, a observá-los.

O que, em teoria, muda pouca coisa. É engraçado ouvir a equipe e o elenco dizer o quanto o diretor é aberto às criações de todos e como seu cinema não é manipulador. É claro que não é verdade. A mão de Van Sant continua pesada. O que ele parece ter feito foi afrouxar o sistema que inventou em Elefante e perceber que parte dele pode andar sozinho. O que passa a importar realmente é o seu olhar, não aquilo que ele observa (e sobre o qual não tem mais tanto controle).

A parte interessante é que, dando mais importância ao olhar, o filme pode deixar, aos poucos, de ser uma tese e caminhar na direção de ser a demonstração dela. É ele, sozinho, que tem que expressar sua própria incapacidade de dar conta do que vê. Assim, a verdade profunda do filme – que é essa incapacidade – deixa finalmente de estar colada à imagem e sim em algum lugar “atrás” dela. Então o filme pode ter a chance de transcendê-la e, ao invés de gritar uma única coisa, passar a expressar diversas outras. Mas isso é Lucrecia, ainda não é Van Sant.

2 Comments:

Blogger Arthur Tuoto said...

Eu acho que você está muito certo quando fala da Martel e do Elefante. Agora o Last Days nós realmente vamos ter que conversar sobre isso... Acredite, eu consigo ver ele tentando levar a estrutura do Elefante um passo a frente, mas a única coisa que eu enxergo na tela é um tombo bem grande.

5:58 PM  
Anonymous Anônimo said...

É mesmo? Estou curioso pra ouvir, achei que você tivesse gostado do filme.

9:23 AM  

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