quinta-feira, janeiro 26, 2006


"Eu me contradigo? Pois bem, eu me contradigo"

Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) me faz pensar se um filme bom é sempre um bom filme.

Explico. Fui assisti-lo novamente na semana passada e saí exatamente com a mesma impressão que tive depois da primeira projeção: trata-se de um filme irrepreensível.

Por outro lado, fiquei surpreso pelo fato de o filme não ter me provocado nenhum sparkle (nem intelectual nem emocional). Como se a maneira perfeita como se relacionam todos os seus elementos (estrutura, narrativa, mise-en-scène, fotografia) não fosse capaz de revelar nada de interessante sobre coisa nenhuma.

Penso, então, nos textos que tenho colocado aqui. São todos sobre filmes que considero contraditórios, de alguma maneira. Por outro lado, são esses os filmes que mais têm me feito pensar sobre cinema (e sobre a vida). Como se as suas contradições fossem a brecha que permite penetrá-los e descobri-los.

Penso também em Os Sonhadores (The Dreamers, 2003), do Bertolucci, um filme que se contradiz o tempo todo. Que é racional no tema e dionisíaco na forma. Moderno e pós-moderno. Que escreve com uma mão e apaga com a outra. Mas que tem toda a sua beleza, sua força e sua relevância (queira Bertolucci ou não) baseada nessa contradição.

É ela, portanto, a única capaz de revelar o que o filme contém de verdadeiro. Pois fala mais sobre sua relação com o mundo do que aquilo que o filme narra ou deseja narrar. Assim, é como se o defeito fosse o que ele tem de melhor. Ou, parafraseando o filósofo de cultura Fredric Jameson (em um contexto diferente), como se o que há de ruim em um filme fosse justamente o que há de bom nele.

E se o caso é realmente esse, então Lucrecia Martel é mesmo a maior das cineastas do novo século, pois é a única que assume a impossibilidade de narrar a verdade e incorpora isso (organicamente) à estrutura dos seus filmes, que passam a ser sobre essa impossibilidade. Filmes sobre lacunas que expressam tudo o que é possível expressar.

(...)

Mas sempre há o Lars Von Trier pra nos dizer que isso é uma bobagem.

1 Comments:

Blogger Arthur Tuoto said...

Olha que até me revelou alguma coisa, ainda mais no final. Aquela câmera na mão é melancólica, e aquela câmera parada é seca, não me pergunte como. E o final, você anseia e não anseia. Um fica no nada e o outro vai pro nada. É triste e o melhor de tudo é que ele não explora isso, só filma.

6:08 PM  

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