terça-feira, janeiro 24, 2006


Livre! Livre. Livre?

Não sei se Lavoura Arcaica (2001) celebra a liberdade ou a tradição. Para Raduan Nassar, não tem conversa: mudança, tempo e vida são a mesma coisa. Para Luiz Fernando Carvalho, parece que não.

A história que os dois narram é mesma – a luta de André pela liberdade. E, em princípio, Carvalho parece comprar a briga do autor e do personagem. Assim como no livro, faz de André o narrador e transforma a câmera em uma subjetiva indireta livre. Pode, assim, narrar por meio de lembranças e impressões, fazer saltos no tempo, associações de imagens.

A liberdade reivindicada por André reflete-se no seu discurso (a forma do filme). Diretor e personagens parecem alinhados. E o filme ganha um segundo discurso: se André luta contra as convenções familiares, Carvalho briga contra as cinematográficas. Os dois querem liberdade.

Isso torna o filme um projeto de tirar o fôlego, já que a partir daqui, o que vale pra um (personagem) vale para o outro (diretor). Portanto, se crêem que a família do filme está fadada à destruição, pela ação de André, tem que crer que as formas cinematográficas tradicionais também estão, pela ação do filme.

Seria uma ambição surpreendente, não fosse o fato de que ela não é nova. O mesmo tema e forma já foram usados com as mesmas intenções pelo Bertolucci de Antes da Revolução ou pelo Godard do início de carreira, por exemplo. Mas é um briga esquecida, sem dúvida. O que poderia nos levar à conclusão de que esse filme tem a – bonita – função de restituir o modernismo no cinema.

O problema é que a comparação expõe o que há de falso e domesticado na forma do filme de Carvalho. Para os modernistas dos anos 60, a liberdade se manifestava unicamente pela natureza do olhar (registrado da forma que fosse). Em Lavoura Arcaica, ela se apóia na beleza plástica das imagens, no extremo virtuosismo técnico de sua execução. Não é liberdade que a linguagem expressa, portanto – é rigor, rigidez, tradição. Assim, forma e tema batem de frente e o filme se transforma em um paradoxo.

Paradoxo que o ambíguo comentário final do pai de André sobre o tempo (que no livro é mais irônico do que ambíguo) só acentua. Estamos celebrando o tempo que tudo muda ou o tempo que tudo apazigua? E assim o final do filme ganha um certo tom melancólico já que, negando-se na forma, o tema da liberdade nega-se também na narrativa. Não sei qual dos filmes Carvalho queria fazer.