
Já é, neguinho
Sempre achei que o lugar que melhor representava tudo de bom e de ruim que pode caber sob o rótulo de pós-moderno no Brasil era São Paulo. Mas se Árido Movie (2005) é algo pra se levar a sério, então Cláudio Assis já estava certo em Amarelo Manga (2002) e o lugar mais pós-moderno do país deve mesmo ser Pernambuco. Porque deixado de lado tudo o que há de cansativo nessa atitude "Pernambuco rules!", os dois são filmes que, como diria um amigo carioca, poderiam vir com o subtítulo "já é".
Para esse amigo, Lúcia e o Sexo, do espanhol Julio Medem, é um dos melhores filmes recentes porque também é um filme que "já é". "É sobre o jeito como a gente está vivendo agora", diz ele. "Sem lamúria, sem flashback. Não precisa ficar gastando verbo. É o que é."
Não sei o que os pernambucanos acham de Medem – nem o que o meu amigo acha dos pernambucanos –, mas a definição cabe pra eles também. Nem Lírio Ferreira nem Assis querem tentar consertar o mundo. O que eles querem é que gente o aceite como ele é: com coisa boa, coisa ruim e com tudo misturado. Daí que cabe filmar o Nordeste com o se fosse o Scorsese, como se fosse o Antonioni – e às vezes como se fosse um cineasta qualquer com bem pouco talento também. Pois se não há verdade no que é puro, só o que pode ser autêntico é a impureza. E assim tudo o que há de ruim nesses filmes acaba sendo tão essencial para eles quanto o que há de bom.
Não são filmes antropofágicos – é mais uma questão de celebrar tudo o que "já é" do que de reprocessar as coisas. Mas são filmes decadentistas, a seu modo. Decadência, liberdade e gozo aqui andam juntos. (Em Amarelo Manga, principalmente.) É certo que é preciso acreditar mais no estômago do que na cabeça pra concordar com eles. (Acho que meu amigo diria que é preciso ser macho.) Mas é difícil bater de frente com tanta convicção.

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